Enquanto arquitectos, considerar hoje em dia o problema da habitação implica também reflectir sobre como habitamos, e acima de tudo, como podemos habitar. Essa reflexão é tangível, e tem vindo nos últimos anos a ser explorada tanto no seio da academia, de eventos crítico-expositivos - como bienais e festivais de arquitectura -, mas também a partir de aplicações concretas em construções destinadas a esse fim.
por Luis Filipe Andrade Fernandes
Tangível é também a atenção redobrada ao tema da habitação no seio dos grandes prémios. Nas últimas edições de dois dos prémios de arquitectura europeus mais relevantes - Mies van der Rohe e Prémis FAD - vimos vencedores projectos de habitação colectiva, respectivamente o projecto para a Cooperativa de Habitação La Borda, pela Lacol Cooperative d’arquitects e o projecto de habitação a custos controlados Gavà 1737, do atelier Harchitects.
Cooperativa de Habitação La Borda, em Barcelona, projeto de Lacol Cooperative d’arquitects e premiado na categoria de Arquitetura Emergente dos Prémios Mies van der Rohe 2022.
© G05_Institut Municipal de l'Habitatge i Rehabilitació de Barcelona
Esta tendência aponta para um foco, no campo disciplinar, na questão da habitação enquanto tipologia mas também enquanto lugar de experimentação e de valorização de uma dimensão mais prosaica da arquitectura, que a aproxima das necessidades quotidianas da população e a torna menos mediática.
A acompanhar esta tendência disciplinar está ainda a atenção dada por várias cidades europeias, que actuando enquanto encomendares, possibilitam novos modos de pensar a habitação urbana. Em Portugal, na cidade de Lisboa, onde a crise da habitação se tem feito sentir de forma mais acentuada e exponencial, a Câmara Municipal tem actuado através de uma série de iniciativas e protocolos camarários, por forma a aumentar o seu parque habitacional público.
Incluídas no âmbito do Programa Nacional Renda Acessível (2019) a CM Lisboa procurou dar resposta às carências habitacionais no concelho por via de duas ações distintas. Por um lado a partir de um programa de concessões, que implica capitais privados escolhidos por concurso em terrenos municipais; por outro uma ação de iniciativa exclusivamente pública. Ambas as acções são coordenadas pela SRU (Sociedade de Reabilitação Urbana) que orientou dois grupos de trabalho para a investigação e proposta de uma organização preferencial (no primeiro caso) e um modelo tipológico único (no segundo).
Neste âmbito, da segunda ação, estão neste momento a ser desenvolvidos projetos, com particular incidência na zona de Marvila, de ateliers previamente definidos como bolsa de arquitectos especialistas. Entre eles Embaixada, Inês Lobo, Oito, Miguel Judas, Paulo David ou Ricardo Carvalho.
Conjunto Habitacional do Armador, projeto do atelier oitoo, vencedor do concurso público em 2022.
Fotografia © oitoo, imagem cordialmente cedida por CCB - Garagem Sul, no âmbito da exposição Habitar Lisboa
Além destes projectos, também de iniciativa exclusivamente camarária, e incluída na Operação Integrada de Entrecampos, foi já construído o conjunto habitacional de mesmo nome, projectado por Susana Rato e Joana Couto (SRU).
Mais recentemente a CM Lisboa, de novo sob a direção da SRU, lançou por via da cedência de património municipal a cooperativas de habitação, uma solução que permite prosseguir “o objetivo de alargar e acelerar a oferta habitacional acessível com base em património e apoio público”. Contando já com vários terrenos mapeados, estão em desenvolvimento projetos de arquitetura para este fim, ganhos por concurso público, como é exemplo o projeto da cooperativa de habitação com 18 apartamentos no Lumiar, projecto de Patrícia Rocha Leite.
Cooperativa de Habitação no Lumiar, projeto de Patrícia Rocha Leite, vencedor do concurso público em 2023.
Fotografia © Miguel Castro Trigo
Sobre este tema, está em curso no CCB- Garagem Sul, até ao final do mês de Abril, a exposição Habitar Lisboa, com curadoria de Marta Sequeira, que, fazendo uma revisão das políticas e soluções arquitectónicas desenvolvidas nos últimos 50 anos, mostra também soluções em curso, tendencialmente públicas, para o futuro da habitação na cidade. Reclamando o potencial transformador da arquitectura, a exposição revela um panorama simultaneamente histórico e contextual e projetos actuais em desenvolvimento cuja concretização será fundamental para o “habitar” que se propõe construir. Uma série de vídeos/entrevista a arquitectos cujas práticas estão intrinsecamente vinculadas à capital conjectura cenários em potência para zonas específicas de Lisboa. Em Novembro de 2023 foi lançado o livro-catálogo da Exposição, ao qual se acrescentam aos conteúdos da exposição, reflexões e visões para o futuro bem como conteúdos resultantes dos debates ocorridos no âmbito do programa paralelo da exposição.
Catálogo da Exposição Habitar Lisboa, uma publicação CCB, Dinâmia’CET ISCTE e Monade que apresenta, de forma sintética, a conjuntura e as hipóteses de ação para pensar a construção da cidade.
Fotografia © CCB-Garagem Sul