Em 2014, Rem Koolhaas, enquanto curador da 14ª Bienal de Veneza, apresentou no Pavilhão Central dos Giardini a exposição Elements. Como uma decomposição da arquitetura, a exposição se apresentava como um vastíssimo catálogo dos elementos que a constituem. Parede, chão, teto, chaminé, janela e até escadas rolantes e elevadores eram enunciados, acompanhando sua evolução tanto de forma cronológica quanto temática.
por Luís Filipe Fernandes
Propositadamente omissa na lista acima, a fachada também foi explorada, no âmbito desta exposição, como um elemento fundamental. Considerada o primeiro plano da construção e, muitas vezes, o único acessível ao transeunte, a fachada dos edifícios tem sido tratada na arquitetura não apenas como plano de expressão artístico-arquitetônica, mas também como lugar de fronteira entre o interior e o exterior, revelando, em seu tratamento, a necessidade de uma resposta ao conforto e à estrutura.
Nesse lugar de limite, muitas têm sido as investigações realizadas em torno da fachada, nomeadamente em termos de materiais e de sua leitura enquanto plano. Se avançamos das fachadas maciças e telúricas até à fachada que 'desaparece' – um longo pano de envidraçado –, há também espaço para a fachada que esvoaça.
Desenho de 1916 de Aranha-Céus Zoning Law, em Nova Iorque, de Hugh Ferriss. Desenho do livro-manifesto “Metropolis of Tomorrow”, onde Ferriss revela a sua visão para uma nova imagem para a grande metrópole da maçã. Imagem retirada do livro “Delirious New York” de Rem Koolhaas
Nos desenhos do início do século XX, em que Hugh Ferriss imaginava uma cidade exponencialmente crescente na vertical, já se vislumbravam fachadas espectrais que pareciam mover-se. Essa fantasmagoria, presente em muitos desenhos de expressão modernista, como a colagem amplamente disseminada da grande torre na Friedrichstrasse, em Berlim, de Mies van der Rohe, materializou-se com grande expressão nos projetos artísticos de Christo & Jeanne-Claude, que, a partir dos anos 70, envolveram em grandes tecidos edifícios e monumentos inteiros, como o Arco do Triunfo, em Paris, ou o Reichstag, em Berlim.
A envelopagem em tecido por Christo & Jeanne Claude de monumentos simbólicos, fixou, além de uma reflexão sobre paisagem e site-specific, um imaginário sobre potenciais usos e a expressão deste material em fachadas. Imagem © Reichtsag envolto em tecido por Christo & Jeanne Claude, imagem digitalizada de postal de 1995
Não sendo necessariamente esse o ponto de partida para uma utilização mais concreta na arquitetura, as experiências de Christo & Jeanne-Claude contribuíram, ainda assim, para um imaginário de possibilidades no que diz respeito à aplicação de tecidos em fachadas.
A esse fator juntou-se também a exploração do tecido enquanto potencial tecnológico, seja enquanto parte de sistemas operacionais mais complexos seja enquanto elemento isolado. Servindo-se os arquitetos do uso de tecido enquanto material com capacidade para controlar opacidade e níveis de absorção de luz ou contribuir para o isolamento térmico e acústico.
A Curtain Wall House do arquiteto Japonês Shigeru Ban, é simbólica no uso de tecidos em fachadas enquanto potencial técnico e de design. Seguiram-lhe inúmeras experiências de arquitetos como Lacaton e Vassal, Arno Brandlhuber ou Office. Imagens de © Hiroyuki Hirai retiradas do livro de Peter Hyatt, ‘Masters of Light: Designing the Luminous House’
Um dos exemplos mais emblemáticos da aplicação de tecidos em fachadas é a Curtain Wall House, de Shigeru Ban, em Tóquio, de 1995. Inspirada nos elementos filtrantes da arquitetura tradicional japonesa, a cortina que cobre toda a fachada desta habitação urbana é uma resposta aos desejos de um cliente habituado à vivência no tecido urbano do centro histórico da cidade. A cortina, feita de um material similar ao utilizado em tendas, serve para controlar as vistas e garantir privacidade, mantendo, conforme sua posição, um sentido de permeabilidade visual. Além disso, atua como um sistema de controle de luz e isolamento, permitindo maior retenção de calor nos meses frios.
Mais recentemente, a proposta para uma unidade habitacional promovida pelo município de Barcelona, para o bairro de Sant Feliu de Llobregat, do atelier MAIO, recupera tanto os princípios imagéticos das obras de Christo & Jeanne-Claude quanto as questões de conforto da Curtain Wall House.
Nomeado ao Prémio Mies van der Rohe em 2024, o projeto Habitacional em Sant Feliu de Llobregat, em Barcelona, do atelier MAIO, procura, através de soluções económicas, responder às políticas de habitação promovidas pela cidade para combater a escassez habitacional. Envoltas em cortinas exteriores, as fachadas ganham uma expressão de movimento, contribuindo simultaneamente para o conforto térmico das habitações. Imagem © José Hevia
A aplicação de cortinas ao longo de toda a fachada exterior da unidade habitacional é uma resposta direta à condição de construção a custos controlados, como é habitual em projetos deste tipo. Com baixa manutenção e longa vida útil, as cortinas permitem, de forma económica, tornar o edifício mais eficiente do ponto de vista térmico.
Aliadas à fachada em tijolo de terracota e a outras soluções passivas, como a existência de um pátio interior que arrefece o conjunto durante os meses de maior calor, as cortinas permitiram que os custos de construção e a manutenção associada à sua eficiência energética ficassem abaixo do custo médio nacional.
A aplicação das cortinas na fachada permitiu ainda que as varandas fossem integradas como parte de cada habitação, apresentando-se como espaços ambíguos entre o interior e o exterior, premissa que também é aplicada no percurso semi-público do piso térreo, de planta serpenteante.
A permeabilidade, eloquente na solução das fachadas em cortina, guia as múltiplas dimensões do conjunto, em particular as de cariz mais público. O piso térreo segue a forma e a linguagem do espaço urbano para maior integração entre os dois, mantendo-se um percurso, ondulante, em calçada dura para facilitar a acessibilidade e manutenção do espaço urbano. O piso do telhado é transitável para uso comunitário. Imagem © José Hevia
Com cinco pisos e 40 unidades habitacionais, o projeto prioriza a conectividade urbana, a equidade social e a sustentabilidade, ao mesmo tempo que mantém uma identidade visual distintiva, nomeadamente através das cortinas que lhe conferem, em certos momentos, uma sensação de edifício veleiro, com os tecidos brancos içados ao vento.